Paraparesia Espástica Tropical - Mielopatia associada ao HTLV-1
A paraparesia espástica tropical (PET) é uma doença desmielinizante crônica e progressiva associada à infecção pelo vírus HTLV- I (protovírus T-linfotrópico humano I), e por essa razão também pode ser denominada de mielopatia associada ao HTLV-I. Sua transmissão pode ocorrer através de transfusões sanguíneas, contato sexual, amamentação, ou uso de agulhas contaminadas provenientes de pacientes infectados (1-3).
Um
dos primeiros relatos é proveniente do sul da Índia, em 1940. No entanto, só em
1985, o vírus foi isolado nos Estados Unidos e pôde ser relacionado à
mielopatia, através de confirmação sorológica (1). No Brasil, os primeiros
relatos são de Castro-Costa em 1989(2).
O
HTLV é um retrovírus que possui geneticamente uma fita de RNA simples, a partir
da qual é criado o DNA mutante dentro da célula hospedeira. Esse DNA produzido
incorpora-se ao DNA celular com objetivo de replicação. O retrovírus, com o
auxílio da enzima transcriptase reversa, estimula a produção de moléculas de
DNA complementares ao seu material genético, fazendo com que a maquinaria da
célula do hospedeiro reconheça-o e não o destrua. No caso do HTLV, o RNA tem
exclusiva preferência pelos linfócitos T
Helper (CD4).
Existem
duas modalidades do vírus: os tipos I e II. As pesquisas mostram que, mesmo
sendo semelhantes, comportam-se de modos diferentes no organismo: enquanto o
HTLV-I provoca complicações significativas que podem prejudicar os indivíduos
na realização de atividades diárias, o HTLV-II frequentemente não ocasiona
danos ao organismo infectado. Mais de 90% dos pacientes infectados pelo HTLV
permanecem assintomáticos, enquanto 3 a 5 % podem desenvolver a doença (3).
A
PET ocasiona um processo inflamatório medular,
predominantemente em seus níveis baixos, devido à invasão desorganizada dos
linfócitos T modificados. Os distúrbios da marcha, a fraqueza e o enrijecimento
dos membros inferiores constituem os principais sinais e sintomas.
Em
1989, a Organização Mundial da Saúde conseguiu estabelecer critérios para a
definição da PET: paraparesia espástica de evolução lenta e progressiva; presença
de sinais piramidais; variáveis graus de distúrbios esfincterianos e sensitivos
associados à presença de anticorpos para o HTLV-I no sangue e no líquor (LCR).
Apesar da alteração parenquimatosa não estar
confinada a um trato específico, a degeneração
simétrica do trato corticoespinal lateral é evidente em todos os casos. Aliada ao
sinal de Babinski, há hiperreflexia patelar, muitas vezes acompanhada por clônus.
O envolvimento das colunas posteriores, principalmente do fascículo grácil,
resulta em alterações da propriocepção consciente, além de déficits
relacionados ao tato epicrítico e sensibilidade vibratória abaixo do nível da
lesão.
O
diagnóstico laboratorial da infecção pelo HTLV-I é realizado através da
detecção de anticorpos específicos, do tipo IgG, presentes no soro. A análise
do líquor demonstra um aspecto límpido e incolor, com pleocitose entre 20 e 40
células predominantemente linfocitárias e aumento de gamaglobulinas
intratecais. Devido à homologia genômica existente entre o HTLV-I e HTLV-II, a
maioria dos testes não consegue diferenciar os dois tipos de vírus. Para tanto,
o melhor método de confirmação é o estudo do genoma viral.
O
medicamento de primeira linha no tratamento da espasticidade é o baclofeno, que é derivado do GABA,
transmissor inibitório, lipofílico e de fácil penetração no SNC; como agonista
seletivo de receptores GABA-b pré-sinápticos, inibe a receptação de aspartato e
glutamato e age seletivamente sobre a medula espinal, inibindo a ação mono e
polissináptica dos neurônios motores (4). Os derivados benzodiazepínicos também
podem ser administrados, devido ao seu poder ansiolítico e sedativo, induzindo relaxamento
muscular ao potencializar, seletiv
amente, os efeitos da GABA sobre os
receptores GABA-a.
No
caso da dor neuropática, a abordagem é mais complexa. Os antidepressivos
tricíclicos podem ser utilizados e potencializam o efeito de outros
medicamentos analgésicos. Os anticonvulsivantes, como a carbamazepina, e, mais
recentemente, a gabapentina, representam boa alternativa nos casos em que os
outros medicamentos não reduziram a dor.
Observa-se que, até o momento, a abordagem
farmacológica restringe-se ao tratamento sintomático. Mas, do
ponto de vista fisioterápico, programas de exercícios específicos que busquem
adequação do tônus, aperfeiçoamento da flexibilidade e da amplitude de
movimento, fortalecimento muscular e melhora do controle postural são úteis na
recuperação funcional motora desses indivíduos (3). Ao
melhorar a deambulação, utilizando-se órteses ou auxílios, restitui-se ao
indivíduo o convívio de sua família, promovendo seu melhor desempenho e
adaptação às suas condições físicas.
Referências
1. Grzesiuk AK, Martins PM. Paraparesia
espástica tropical/ mielopatia associada ao HTLV-I: relato de dois casos
diagnosticados em Cuiabá, Mato Grosso. Arq. Neuro-Psiquiatr. 1999; 57(3B): 870-872.
2. Costa CMC, Salgueiro MR, Carton H, Vale
OC, Arruda AM. Paraparesia espástica tropical no Nordeste do Brasil. Arq.
Neuro-Psiquiatr. 1989; 47(2): 134-138.
3. Lannes P,
Neves MAO, Machado DCD, Silva JG, Bastos VHV. Paraparesia espástica tropical:
mielopatia associada ao HTLV-I: possíveis estratégias cinesioterapêuticas para
melhorar padrões de marcha em portadores sintomáticos. Rev. Neurociências
2006;14:153-160.
4. Ribas JGR, Melo GCN.
Mielopatia associada ao vírus linfotrópico humano de células T do tipo 1 (HTLV-1).
Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 2002; 35(4): 377-384.
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