segunda-feira, 14 de maio de 2012

Traumatismo raquimedular e suas implicações: choque medular e choque neurogênico

por Aderaldo Costa Alves Junior



         Os distúrbios cardiovasculares são as principais causas de morbimortalidade no traumatismo raquimedular (TRM) em fases agudas e crônicas. O TRM, ao lesar transversalmente a medula espinal, promove o rompimento das vias nervosas descendentes. Quando o nível de lesão ocorre acima da 6ª vértebra torácica, ocorre interrupção do controle supraespinal do sistema nervoso simpático, resultando em hipoatividade simpática. Como o sistema parassimpático independe da função medular por seguir o trajeto do nervo vago (X par craniano), um sistema simpático hipoativo com preservação do seu opositor leva a uma descarga parassimpática. O resultado final é diminuição da pressão arterial sistêmica de repouso, perda da regulação adaptativa da pressão sanguínea e reflexos alterados.

O choque medular é a ruptura fisiológica das funções da medula espinal que acompanha o TRM; é a suspensão transitória da função e reflexos abaixo do nível da lesão. Os sintomas são déficit de sensibilidade, paralisia flácida, ausência de reflexos tendinosos profundos, abolição da atividade somática reflexa e alterações na regulação térmica abaixo do nível da lesão. O choque medular dura dias a semanas, usualmente 4-12 semanas, tendo seu fim marcado pelo retorno dos reflexos tendinosos profundos e do reflexo bulbocarvernoso.

O choque neurogênico consiste em grave hipotensão arterial, bradicardia e hipotermia. A manifestação característica é pressão sistólica inferior a 90 mmHg em posição supina, que não seja resultado de perda de volume. Ocorre queda na resistência vascular periférica e no débito cardíaco, enquanto que a pressão venosa central permanece inalterada. Estudos mostram uma maior prevalência de choque neurogênico em pacientes ASIA A e B comparados ao ASIA C e D.

O choque medular e o choque neurogênico ocorrem na fase aguda do TRM. A resposta inicial é uma estimulação simpática maciça, devido à liberação de norepinefrina pelas supra-renais, e ativação parassimpática reflexa por 3-4 minutos, mediada por receptores alfa-adrenérgicos. Os efeitos hemodinâmicos são hipertensão grave e bradicardia reflexa ou taquiarritmia. Há também uma resposta pressórica causada pela ruptura dos neurônios vasoativos cervicais e torácicos altos.

Baixa pressão arterial e presença de choque neurogênico após TRM podem resultar em isquemia da medula espinal e são potenciais fatores que contribuem para a cascata de mecanismos secundários envolvidas em danos adicionais ao frágil tecido nervoso. A hipoperfusão medular resulta tanto da baixa pressão arterial sistólica quanto da compressão mecânica da medula espinal. Aumentos na pressão arterial sistêmica podem melhorar a perfusão para a medula espinal lesada.  Estudos realizados com vários pacientes com lesão medular tratados agressivamente com manutenção da pressão arterial média nas faixas altas normais (85-90 mmHg) sugeriram melhores resultados neurológicos. Atualmente, não há consenso se é melhor a descompressão cirúrgica precoce da medula espinal ou adiar o procedimento até que os pacientes estejam mais estáveis.


Referências
1: HAGEN, E. N. et al. Cardiovascular and urological dysfunction in spinal cord injury. Acta Neurol Scand Suppl, v. 191, p. 71-78, 2011.
2: POPA, C. et al. Vascular dysfunctions following spinal cord injury. J Med Life, Bucharest, v. 3, n.3, p. 275-285, ago. 2010.
3: TULI, S. et al. Hemodynamic Parameters and Timing of Surgical Decompression in Acute Cervical Spinal Cord Injury. J Spinal Cord Med, v. 30, n. 5, p. 482-490, abr. 2007.