segunda-feira, 19 de março de 2012

AVC por Artur Bastos Rocha




As doenças cerebrovasculares, apesar de não serem as patologias mais frequentes, são as que mais matam em nossa atualidade. A fisiopatologia dos acidentes vasculares cerebrais (AVCs) é multifatorial, dependendo da etiologia e principalmente do território de irrigação acometido, visto que este último é fundamental para compreensão do quadro clínico a se apresentar. Para isso, é fundamental ter conhecimento da disposição anatômica dos sistemas arteriais e venosos do cérebro alterados e especialmente diferenciar quanto à etiologia, visto que este fator é determinante para a terapêutica a ser adotada.



Os AVC podem ser divididos basicamente em dois grandes grupos: Isquêmicos (AVCI) e Hemorrágicos (AVCH), sendo os isquêmicos mais frequentes do que os hemorrágicos, na respectiva proporção de 80% e 20%, respectivamente de prevalência.
A diferença básica entre esses dois tipos é que no evento isquêmico o insulto cerebral ocorre pelo déficit na perfusão sanguínea ao território cerebral, advindo então as alterações clínica decorrentes da disfunção daquela área. A etiologia dessas doenças em geral é por doenças arteriais obstrutivas, sendo a causa mais comum a aterosclerose. Contudo, a entender pela topografia da lesão e a evolução temporal do ictus pode-se cursar com  eventos cardioembólicos, arterioembólicos, ou tromboembólicos, sendo os dois últimos mais comuns em lesões distintas que se repetem do mesmo lado, enquanto eventos cardioembólicos são mais comuns por acometimento dos dois hemisférios em intervalos de tempos distintos. A estenose por placa em bifurcação carotídea é bastante comum em idosos, onde a obstrução identificada por doppler se superior a 70% já demonstra indicação cirúrgica se sintomático, e acima de 80% indicação cirúrgica, independente se o paciente tem sintomatologia ou não. A abordagem pode ser feita por cirurgia aberta (endarterectomia) ou colocação de stent, por neurorradiologia intervencionista.





Os AVCH são menos frequentes, porém possuem pior prognóstico. Ocorre pelo extravasamento de sangue do vaso sanguíneo, e ao entrar em contato com o tecido cerebral promove várias alterações, pois além de aumentar o volume intracraniano podendo cursar com elevações da Pressão Intracraniana (PIC) e herniações; existe o fator irritativo que o sangue exerce no tecido cerebral, levando a dores pela ruptura da parede do vaso sanguíneo que é rico em terminações sensitivas dolorosas; crises epilépticas; agitação psicomotora dentre outras. O tipo de AVCH irá variar a depender da localização, podendo ser extradural, subdural, intraparenquimatoso e subaracnóideo. O extradural caracteriza-se por formação de um hematoma no espaço epidural craniano, que é um espaço virtual, e está associado a etiologia traumática. Um dado curioso do hematoma extradural é que este só ocorre associado a uma fratura do osso, e tem como alteração a ruptura da Artéria Meníngea Média, principal responsável pela irrigação da Dura-máter encefálica. O aspecto na Tomografia Computadorizada (TC) de Crânio é de lente biconvexa. Já o hematoma subdural agudo ocorre pelo acúmulo de sangue no espaço subdural, tendo um aspecto na TC de lua em crescente (semi-lua). Este é bem mais grave, porém ocorrem menos óbitos quando comparados ao hematoma extradural, uma vez que seu diagnóstico é realizado de forma mais precoce geralmente em virtude das repercussões sistêmicas serem mais pronunciadas do que no extradural, a saber a alteração do nível de consciência, que quase sempre está alterada e permanece, enquanto no extradural é comum a perda transitória da consciência, seguida do retorno e exame físico normal do paciente, que pode levar a altas hospitalares inadvertidas e aumento do volume do hematoma, causando desvio da linha média e herniações cerebrais, plenamente evitáveis se diagnosticado corretamente. O hematoma intraparenquimatoso ocorre quando há acúmulo de sangue dentro do tecido cerebral propriamente dito, sendo sua localização em 80% dos casos na gânglia basal e tem como etiologia a ruptura de microaneurismas de charcot-bouchard, provocados pela Hipertensão Arterial Sistêmica descompensada ao longo da vida. Os 20% restantes são os hematomas lobares, que se acumulam nos lobos cerebrais, e tem como causa principal as Mal-formações ArterioVenosas (MAV) em indivíduos jovens e a angiopatia amilóide em indivíduos idosos. O último dos tipos de AVCH que podem ocorrer são as Hemorragias Subaracnóideas (HSA), que podem ter etiologia traumática e espontânea. A etiologia traumática é caracterizada pelo acúmulo de sangue nos sulcos corticais e é a principal causa de agitação psicomotora em pacientes vítimas de Trauma Cranioencefálico (TCE).  No caso do HSA de causa espontânea, 80% ocorrem pela ruptura de aneurismas, devendo-se sempre investigar a causa através do exame de estudo dos vasos como Angiorressonância e/ou angiografia. 









O diagnóstico em AVCI ou AVCH apenas pelo quadro clínico não é definitivo, mas ajuda a promover uma diferenciação, que só pode ser confirmada através de exames de imagem. Em geral, os pacientes com AVCI cursam com déficits focais, porém não apresentam quadro álgico (95% dos casos), episódios de crises epilépticas ou alterações repentinas no nível da consciência ou agitação psicomotora, sendo estas últimas características comumente presentes nos quadros de AVCH, embora não sejam critérios definitivos. Por isso a importância de ressaltar que no atendimento pré-hospitalar nunca deve-se efetuar a redução da pressão arterial (PA), visto que se o evento for isquêmico, reduzir a PA é eliminar o reflexo cardiotônico de tentar elevar a Pressão Arterial Média (PAM) na tentativa de melhorar a pressão de perfusão sanguínea, e consequentemente o fluxo sanguíneo encefálico.

O conhecimento da anatomia da vascularização encefálica é fundamental para topografar a lesão de acordo com o quadro clínico apresentado pelo paciente no evento cerebrovascular. O território anterior (ou carotídeo) é formado pela artéria carótida interna e seus respectivos ramos, e irriga 80% do encéfalo, sendo também o mais acometido pelas doenças cerebrovasculares. A sintomatologia é bem característica, por promover alterações das funções corticais superiores, como linguagem, práxis e gnosia, além de apresentar déficits focais contralaterais ao hemisfério acometido. Já o território posterior é irrigado pelo sistema vértebro-basilar, formado pelas artérias vertebrais, a artéria basilar e seus respectivos ramos. Por irrigar o tronco encefálico, as alterações nesses sistema são bem mais graves do que no sistema anterior, de tal modo que o paciente com alteração desse território quase sempre cursa com alterações do nível da consciência; além de que como o tronco é passagem das grandes vias aferentes e eferentes, os quadros clínicos em geral são “cruzados”, com déficits focais ipsilaterais e contralaterais ao lado do tronco acometido, a exemplo da síndrome de Wallenberg, a mais comum do território posterior, pelo acometimento da Artéria Cerebelar Posterior Inferior (PICA). 

Quanto à irrigação cerebral específica, que ocorre por 3 artérias cerebrais (anterior, média e posterior) são conhecidos sintomatologias bem definidas.
-        Anterior: paciente cursa com alterações crurais e incontinência urinária
-        Média: paciente cursa com alterações de predomínio braquial, sendo comum também paralisia dos músculos faciais (paralisia braquiofacial ou paralisia facial central)
-        Posterior: Alterações visuais, como hemianopsia, quadrontopsia ou amaurose fugaz.

O tratamento do AVC dependerá de vários fatores, como etiologia, topografia e o tempo de evolução. Nas horas críticas do AVCI pode-se realizar a terapia trombolítica, observando a chamada “zona de penumbra”. Para isto o paciente deve atender aos critérios estabelecidos pelo NIHSS (National Institue of Health and Stroke Scale), que tentar triar os pacientes que podem se beneficiar desta terapêutica, visto que ela apresenta várias complicações sistêmicas e exige monitorização do doente nas primeiras 24h em UTI ou semi-intensiva, já que ocorre risco de ressangramento. Os pacientes que se enquadram nesse meio e são candidatos a este tratamento são ditos “pacientes em janela”. O diagnóstico é feito através de imagens de Ressonância Magnética(RM) com sobreposição sobre  TC para determinar a viabilidade do tecido. É importante salientar que a TC de crânio em AVCI agudo não apresenta alterações significativas na maioria dos casos, sendo a área isquêmica isodensa, dificultado o diagnóstico. A RM é mais sensível para alterações agudas, especialmente no T2 Flair, visto que já é possível evidenciar o edema citotóxico. A sobreposição com a TC serve para tentar corrigir a distorção anátomo-espacial que o campo magnético da RM promove no estudo de imagem. O tempo máximo de realizar a trombólise é de 4,5 h após o ictus. Passado esse período, deve-se partir para tratamento conservador do AVCI e não mais intervencionista.



Já o AVCH dependerá da topografia da lesão, do nível de consciência do paciente e dos déficits que possui. Caso não haja um volume sanguíneo superior a 3ml, ou com desvio da linha média com risco de haver herniações cerebrais, o tratamento poderá ser conservador. Porém, quando algum desses critérios é alcançado, a intervenção cirúrgica faz-se necessário, devendo retirar o hematoma e corrigir as alterações na hemodinâmica cerebral causados pelo AVCH. Pode-se optar por cranitomia descompressiva ou craniectomias descompressivas, a depender da extensão da lesão e se houver edema cerebral difuso (brain swelling). Em casos de HSA espontânea, com acúmulo de sangue nas cisternas da base e onde haja inundação ventricular, deve-se realizar uma derivação ventrículo-externa (DVE), que visa estabelecer a saída do sangue diluído no líquor do espaço subaracnóideo para uma bolsa externa. É importante ressaltar que nesses casos de HSA não deve-se reduzir a PA para níveis baixos, mas manter o paciente levemente hipertenso, visto que o sangue no espaço subaracnóideo tem a tendência de coagular e como os vasos sanguíneos do cérebro em seus troncos arteriais principais estão no espaço subaracnóideo, pode ocorrer compressão externa do vaso, gerando um quadro de vasoespasmo. Por isso, deve-se sempre realizar os “3H”: Hemodiluição, Hipertensão e Hidratação; de modo a impedir a oclusão do vaso pelo aumento da pressão e do volume sanguíneo total circulante. O uso de bloqueadores de canal de cálcio para evitar constricção arterial é indicado, sendo dentre eles o mais utilizado a Nimodipina.  


Conclui-se ser fundamental para qualquer médico reconhecer um quadro clínico de AVC e orientar os pacientes também a identificar e tomar as devidas providências, lembrando que quanto mais cedo realizar o diagnóstico, mais rápido pode-se intervir e obter um melhor prognóstico. “Time is Brain” é utilizado pelo sistema NIHSS e deve-se sempre ser lembra.

Uma forma fácil para os leigos de identificar um AVC e requisitar o atendimento pré-hospitalar é o próprio SAMU
Sorrir – Desvio da comissura labial
Abraçar – Déficit motor
Música – Dificuldade em cantar pelo acometimento da musculatura da face
Urgência – Disque Samu 192.





Referências:

NETTER, Frank H. Atlas de Anatomia Humana. 4 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
NITRINI, Ricardo; BACHESCHI, Luiz A. A Neurologia que todo médico deve saber., 2ª ed. São Paulo: Atheneu, 2003.
SOBOTTA, Johannes. Atlas de Anatomia Humana. 21 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000.
BRADLEY, Walter G; DAROFF, Robert B; FENICHEL, Gerald M; JANKOVIC, Joseph. Neurology in clinical practice, 4° Ed. Philadelphia: Elsevier, 2004.
ROWLAND, Lewis P. Merrit. Tratado de Neurologia, 11° Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007.
ROPPER, Allan H; SAMUELS, Martins A. Adams and Victor’s – Principles of Neurology.   9° Ed. Mc Grill Hil International, 2009.
BAEHR, Mathias; FROTSCHER, Michael. DUUS, Peter - Diagnóstico topográfico em neurologia, 4° Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005
DANGELO, Jose G; FATINNI, Carlos  A. Anatomia humana sistêmica e Segmentar, 3ª ed. São Paulo: Atheneu, 2007.
GRAY, Henry. Anatomia, 29° Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988.
MACHADO, Angelo. Neuroanatomia Funcional. 2 ed. São Paulo: Editora Atheneu, 2006.
MOORE, Keith L.; DALLEY, Arthur F. Anatomia Orientada para a Clínica. 5 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007.
MENESES, Murilo S. Neuroanatomia Aplicada – 2 Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006.


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