domingo, 24 de julho de 2016

Paraparesia Espástica Tropical - Mielopatia associada ao HTLV-1


       A paraparesia espástica tropical (PET) é uma doença desmielinizante crônica e progressiva associada à infecção pelo vírus HTLV- I (protovírus T-linfotrópico humano I), e por essa razão também pode ser denominada de mielopatia associada ao HTLV-I.  Sua transmissão pode ocorrer através de transfusões sanguíneas, contato sexual, amamentação, ou uso de agulhas contaminadas provenientes de pacientes infectados (1-3).
Um dos primeiros relatos é proveniente do sul da Índia, em 1940. No entanto, só em 1985, o vírus foi isolado nos Estados Unidos e pôde ser relacionado à mielopatia, através de confirmação sorológica (1). No Brasil, os primeiros relatos são de Castro-Costa em 1989(2).
O HTLV é um retrovírus que possui geneticamente uma fita de RNA simples, a partir da qual é criado o DNA mutante dentro da célula hospedeira. Esse DNA produzido incorpora-se ao DNA celular com objetivo de replicação. O retrovírus, com o auxílio da enzima transcriptase reversa, estimula a produção de moléculas de DNA complementares ao seu material genético, fazendo com que a maquinaria da célula do hospedeiro reconheça-o e não o destrua. No caso do HTLV, o RNA tem exclusiva preferência pelos linfócitos T Helper (CD4).
Existem duas modalidades do vírus: os tipos I e II. As pesquisas mostram que, mesmo sendo semelhantes, comportam-se de modos diferentes no organismo: enquanto o HTLV-I provoca complicações significativas que podem prejudicar os indivíduos na realização de atividades diárias, o HTLV-II frequentemente não ocasiona danos ao organismo infectado. Mais de 90% dos pacientes infectados pelo HTLV permanecem assintomáticos, enquanto 3 a 5 % podem desenvolver a doença (3).
A PET ocasiona um processo inflamatório medular, predominantemente em seus níveis baixos, devido à invasão desorganizada dos linfócitos T modificados. Os distúrbios da marcha, a fraqueza e o enrijecimento dos membros inferiores constituem os principais sinais e sintomas.
Em 1989, a Organização Mundial da Saúde conseguiu estabelecer critérios para a definição da PET: paraparesia espástica de evolução lenta e progressiva; presença de sinais piramidais; variáveis graus de distúrbios esfincterianos e sensitivos associados à presença de anticorpos para o HTLV-I no sangue e no líquor (LCR).
Apesar da alteração parenquimatosa não estar confinada a um trato específico, a degeneração simétrica do trato corticoespinal lateral é evidente em todos os casos. Aliada ao sinal de Babinski, há hiperreflexia patelar, muitas vezes acompanhada por clônus. O envolvimento das colunas posteriores, principalmente do fascículo grácil, resulta em alterações da propriocepção consciente, além de déficits relacionados ao tato epicrítico e sensibilidade vibratória abaixo do nível da lesão.
O diagnóstico laboratorial da infecção pelo HTLV-I é realizado através da detecção de anticorpos específicos, do tipo IgG, presentes no soro. A análise do líquor demonstra um aspecto límpido e incolor, com pleocitose entre 20 e 40 células predominantemente linfocitárias e aumento de gamaglobulinas intratecais. Devido à homologia genômica existente entre o HTLV-I e HTLV-II, a maioria dos testes não consegue diferenciar os dois tipos de vírus. Para tanto, o melhor método de confirmação é o estudo do genoma viral.
O medicamento de primeira linha no tratamento da espasticidade é o baclofeno, que é derivado do GABA, transmissor inibitório, lipofílico e de fácil penetração no SNC; como agonista seletivo de receptores GABA-b pré-sinápticos, inibe a receptação de aspartato e glutamato e age seletivamente sobre a medula espinal, inibindo a ação mono e polissináptica dos neurônios motores (4). Os derivados benzodiazepínicos também podem ser administrados, devido ao seu poder ansiolítico e sedativo, induzindo relaxamento muscular ao potencializar, seletiv
amente, os efeitos da GABA sobre os receptores GABA-a.
No caso da dor neuropática, a abordagem é mais complexa. Os antidepressivos tricíclicos podem ser utilizados e potencializam o efeito de outros medicamentos analgésicos. Os anticonvulsivantes, como a carbamazepina, e, mais recentemente, a gabapentina, representam boa alternativa nos casos em que os outros medicamentos não reduziram a dor.
Observa-se que, até o momento, a abordagem farmacológica restringe-se ao tratamento sintomático. Mas, do ponto de vista fisioterápico, programas de exercícios específicos que busquem adequação do tônus, aperfeiçoamento da flexibilidade e da amplitude de movimento, fortalecimento muscular e melhora do controle postural são úteis na recuperação funcional motora desses indivíduos (3). Ao melhorar a deambulação, utilizando-se órteses ou auxílios, restitui-se ao indivíduo o convívio de sua família, promovendo seu melhor desempenho e adaptação às suas condições físicas. 

 Referências
1. Grzesiuk AK, Martins PM. Paraparesia espástica tropical/ mielopatia associada ao HTLV-I: relato de dois casos diagnosticados em Cuiabá, Mato Grosso. Arq. Neuro-Psiquiatr. 1999; 57(3B): 870-872.
2. Costa CMC, Salgueiro MR, Carton H, Vale OC, Arruda AM. Paraparesia espástica tropical no Nordeste do Brasil. Arq. Neuro-Psiquiatr. 1989; 47(2): 134-138
3. Lannes P, Neves MAO, Machado DCD, Silva JG, Bastos VHV. Paraparesia espástica tropical: mielopatia associada ao HTLV-I: possíveis estratégias cinesioterapêuticas para melhorar padrões de marcha em portadores sintomáticos. Rev. Neurociências 2006;14:153-160.
4. Ribas JGR, Melo GCN. Mielopatia associada ao vírus linfotrópico humano de células T do tipo 1 (HTLV-1). Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 2002; 35(4): 377-384. 



Por: Nathalia Immisch
Acadêmica do 3º período de Medicina da UFPB
Membro da LANN

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